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Estilo que vem da China

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Tenda siamesa construída em 1778 e reconstruída em 1989 (Fotos: Divulgação)

Tenda siamesa construída em 1778 e reconstruída em 1989 (Fotos: Divulgação)

Apesar de no mais das vezes frívolas e inúteis, são muito lindas, graciosas, encantadoras e extravagantes. As ermidas ou “folies” – pequenas loucuras – eram construídas nos pontos mais recônditos dos jardins de grandes casas e palácios europeus. Atendiam não só às mais variadas e anticonvencionais fantasias arquitetônicas da aristocracia e da realeza, como ao desejo de um lugar onde escapar da monotonia do dia a dia, onde fosse possível jantar a dois, conversar na intimidade, namorar secretamente, como Madame de Pompadour e Luís XV, ou brincar de casinha, fazendinha e outras coisinhas mais, entre flores e ovelhas, como gostava de fazer Maria Antonieta. 

Embora na França a prática de construir esses pequenos pavilhões tenha começado no século 17, com os artesãos trazidos da Itália pelas rainhas Médicis, eles viveram o seu auge no tempo dos Luíses e se tornaram típicos do Antigo Regime, com detalhes de luxo e fantasia voltados para o puro prazer dos sentidos. A paixão de Luís XIV por essas folies incitaram uma verdadeira mania na Europa. De Potsdam, na Alemanha, a Moscou, os monarcas e aristocratas gastavam o que tinham e o que não tinham para imitar aquelas construídas em Versalhes, Marly e Bagatelle e criar seus jardins anglo-chineses – ou seja, adicionar algo de exótico à paisagem natural. Na França, no século 18, o duque de Choiseul e o barão de Saint James perderam a fortuna com folies em Chanteloup e Neully, respectivamente. E consta que a princesa de Ligne teria escrito ao superintendente das propriedades do marido implorando-lhe que o impedisse de gastar com essas frivolidades. Já os vultosos gastos de Maria Antonieta com construções extravagantes se somaram ao rol das acusações que a levaram à forca. 

Depois da Revolução e acabada a brincadeira, muitos desses pavilhões, grutas, fontes e torres nos estilos mais variados e criatividade sem limites – um retrato do comportamento inconsequente dos personagens do Antigo Regime – foram desaparecendo e deixando poucos vestígios de suas mais ou menos breves existências. Pequenas histórias, no entanto, sobrevivem, como a de Catarina II, da Rússia, que, quando lembrada do absurdo que havia gasto em Tsarskoje com sua Chinese Village, respondeu: “Que assim seja. É um capricho meu”. 

Pecado ou não, o fato é que o encanto por essas folies – não esquecer que a palavra em francês significa loucura – nunca acabou. No início do século 20, o bon vivant Charles de Beistegui criou várias em seu famoso Château de Groussay, todas baseados em exemplos da história. Na Escócia, o Dunmore Pineapple, um pequeno pavilhão em forma de abacaxi construído em 1761, hoje pode ser alugado para curtas temporadas pelo National Trust da Escócia (44-131-243-9300). Outras, além de servirem como ponto focal em grandes jardins, são utilizadas como casas de piscina, jardim de inverno ou casinha de hóspedes.

À esquerda: pagode de 1765 do príncipe Henrique da Prússia; à direita, Chinese Summerhouse, construída em 1790, em Roma

À esquerda: pagode de 1765 do príncipe Henrique da Prússia; à direita, Chinese Summerhouse, construída em 1790, em Roma

Bom para os aficionados do que é belo e histórico, e para quem está interessado em construir a sua pequena folie. Há quem goste de fuçar no passado e, com talento e traço impecável, consiga reproduzir essas deliciosas edificações que se perderam no tempo, viraram ruína ou, no caso de poucas, sobrevivem como atração turística.  

CHINOISERIES – Pois foi o que fez a dupla de arquitetos, historiadores e artistas plásticos Bernd H. Dams e Andrew Zega. O trabalho deles, fruto de minuciosa pesquisa, não só nos informa com precisão sobre a arquitetura e o décor dessas extravagâncias, como encantam o olhar de quem visita a pequena exposição organizada por Thierry Meaudre em sua Librairie Lardanchet, na Rue du Faubourg Saint-Honoré, em Paris. Apaixonados por arquitetura e paisagismo e produzindo um trabalho que reconhecidamente vem contribuindo para o resgate da memória do patrimônio, não só francês como europeu e americano, Dams e Zega têm seus desenhos e muitos livros editados em tiragens limitadas pela Connaissance et Mémoires e, em tiragem maior e – portanto mais acessível –, pela Rizzolli, que lançou recentemente o belo Chinoiseries. 

São 42 aquarelas em cores vivas que mostram pagodes pitorescos, pavilhões fantásticos e tendas luxuosas construídos nesse estilo chinês tão adorado e traduzido à maneira europeia. Alguns desses desenhos, que mostram lanternas, vidros pintados, candelabros, pontes, volutas, panos listrados com terminações em passamanaria e paredes pintadas com cenas chinesas são fruto de dez anos de pesquisas. Muitos são inspirados em projetos que nem chegaram a ser construídos, como o pagode encomendado por Maria Antonieta ao arquiteto Richard Mique em 1777, ou que foram edificados mas desapareceram depois, como o Carrossel, também uma solicitação da rainha a Mique, em 1776.  

Embora o fascínio por tudo o que é chinês venha do tempo em que Marco Polo em 1295 empreendeu viagem à China e depois encantou a Europa medieval com seus relatos, o estilo chinoiserie tornou-se característico do século 18. Na França, o ápice da mania chinesa deu-se entre 1775 e 1785. Na Inglaterra, iniciou-se às vésperas do período vitoriano, nos curtos reinos de Jorge IV e Guilherme IV, quando foi criado e ampliado o famoso e extravagante Royal Pavillion em Brighton. Manteve-se vivo ao longo de todo o século 19, quando se tornou mais fácil viajar e buscar inspiração em países distantes e exóticos.

À esquerda: figura chinesa no topo de pagode do século 18 em Estrasburgo; à direita: e projeto de pagode para o Trianon de Maria Antonieta que não saiu do papel

À esquerda: figura chinesa no topo de pagode do século 18 em Estrasburgo; à direita: e projeto de pagode para o Trianon de Maria Antonieta que não saiu do papel

ESTILO INGLÊS DE DECORAR – Como explica no livro o sinólogo Hugh Honour, a chinoiserie é um estilo europeu e não, como muitos podem pensar, uma tentativa incompetente de imitar as artes chinesas. Vale lembrar os papéis chinoiseries que forravam as paredes das salas das casas da aristocracia inglesa no campo e que se tornaram marca registrada do estilo inglês de decorar. Hoje são produzidos em Londres pela De Gournay.  

O fascínio pela China, que até hoje não parece ter arrefecido, promete seguir vivo no século 21 . Um dos best sellers da Lee Jofa hoje é o tecido Toile Rousseau, baseado no original de 1780, com cenas de jardim onde abundam as folies. E infinitas são as criações de design contemporâneo que buscam inspiração no que é chinês. Um exemplo é a Porca China, um lustre branco cheio de cabecinhas de chineses, obra e graça do designer de luz Ingo Maurer, dentro da linha Porca Miséria!, da Krizia. Outro é a maravilhosa poltrona Eva da Onlymited, inspirada na moda e no estilo de vestir chinês e que mais parece um quimono de braços abertos a nos oferecer o colo. 

No prefácio de Chinoiseries, Hubert de Givenchy, além de agradecer a Dams e Zega por dar vida nova a uma era onde a imaginação, o luxo e a beleza tinham muito a acrescentar, deixa registrado que “esses preciosos documentos retratam uma época onde o gosto, a extravagância e o sentido de fantasia eram essenciais à maneira com que parques e jardins eram adornados, inscritos na natureza e habitados por sonhos”.

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