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Economistas analisam os riscos que a alta de preço dos imóveis produz no mercado

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O Índice Nacional dos Preços de Imóveis, que está para ser lançado pelo governo federal, reavivou a discussão sobre o mercado imobiliário estar sob risco de bolha. Enquanto os preços disparam, a questão divide a opinião de dois bambas da economia. Decano da PUC-Rio e especialista em inflação, Luiz Roberto Cunha não antevê qualquer ameaça ao setor. Para ele, tamanha alta é fruto de fatores diversos, entre eles, o desequilíbrio entre a lei da oferta e da procura e a expansão das condições de crédito, mesmo para imóveis de valor mais alto. Já Marcus Valpassos, da Galanto Consultoria, diz que o risco de bolhas é real, principalmente, em locais onde a valorização dos imóveis foi mais expressiva, como os grandes centros urbanos, e não foram acompanhadas por ganhos relevantes de renda da população.

O Índice Nacional dos Preços de Imóveis servirá, de fato, para monitorar a inflação do setor?
LUIZ ROBERTO CUNHA: Índices de preços setoriais são sempre importantes para acompanhar a evolução média dos preços de qualquer setor. No caso dos imóveis residenciais, deve-se levar em conta que as variações de preços são muito grandes, seja por cidade, por bairro e até por rua. Isso sem contar as características do imóvel. Um índice será sempre uma média, por mais que se especifiquem as diferentes características.

MARCUS VALPASSOS: Sem dúvida. Mas não gosto do termo “inflação” para descrever o objetivo do índice, já que este termo nos remete a uma ideia de evolução do custo de vida que não necessariamente anda junto com preço de imóvel. Ele servirá muito mais para acompanhamento de um setor cada vez mais relacionado a questões de relevância econômica, inclusive definições sobre juros.

E ele será capaz de prever uma bolha no setor?
CUNHA:
Nos Estados Unidos, há um índice de preços de imóveis (o Case-Shiller Home Price Indices), produzido por dois economistas, para acompanhar a evolução do preço de venda de imóveis residenciais. Depois deste índice, parte das informações financeiras geradas pela agência Standard & Poor”s evoluiu para um índice nacional, com subíndices regionais. É claro que um indicador assim ajuda na análise de evolução dos preços no setor, mas não garante a capacidade de prever bolhas.

VALPASSOS: O preço de determinado ativo é um dos componentes que compõem a possibilidade de que este esteja em processo desequilibrado, porém não é o único. É preciso analisar os motivos da alta a fim de determinar se este movimento é sustentável ou não no médio e longo prazos. Mas, sem um índice de preços confiável que viabilize a realização de estudos no setor, torna-se muito difícil chegar a conclusões a respeito da formação de bolhas.

Por aqui, corremos algum risco de bolha?
CUNHA: A evolução dos preços de imóveis no Brasil, assim como nos EUA e na Europa, varia muito de local para local. Aqui, a alta expressiva que temos visto em grandes cidades reflete vários fatores. Em muitos casos, representa a recuperação de preços depreciados por condições sociais e pelo desequilíbrio entre oferta e demanda. Além, é claro, da expansão das condições de crédito, mesmo para imóveis de valor mais alto, com a consolidação da estabilidade econômica. Assim, as condições no nosso mercado são diferentes de EUA e Europa, e não vejo, não me parece que haja, risco de bolha. Isso é bobagem.

VALPASSOS: Se analisarmos as motivações econômicas por trás dos movimentos dos preços, podemos chegar à conclusão de que não há excessos. O montante de crédito imobiliário ainda é baixo. As taxas de juros ainda podem cair, e a oferta de novos imóveis é limitada. Mas há um fator de instabilidade que é o aumento da dicotomia entre o valor dos imóveis e da renda das famílias proprietárias. A concentração de grande parte da riqueza em um ativo com perspectiva de desvalorização pode levar ao aumento da oferta de venda. Portanto, enxergo, sim, risco de bolhas, principalmente em locais onde a valorização foi mais expressiva e não foi acompanhada por ganho relevante de renda.

Investir em imóveis ainda é uma opção rentável?
VALPASSOS: Só se o investidor tiver expectativa de valorização futura acima das taxas de inflação. No caso atual, em que, no meu entender, pairam dúvidas em relação a isto, as taxas de juros oferecidas, por exemplo, em títulos públicos federais, ainda são superiores ao retorno dado pelos aluguéis.

Quais as semelhanças e diferenças entre os modelos de crédito brasileiro e americano, antes da crise?
CUNHA:
As diferenças são enormes, especialmente quanto às condições que causaram a bolha nos EUA. Naquele mercado, há muitas décadas havia financiamento de longo prazo e o imóvel, valorizado por condições de mercado ou macroeconômicas, era, quando as taxas de juros estavam baixas, frequentemente refinanciado. Isso liberava recursos para o mutuário gastar em outros bens. Também houve um excesso de flexibilização nas garantias e repasse dos financiamentos mesmo com garantias ruins. Por fim, com a alta forte dos juros, o sistema, já desequilibrado e cheio de falhas, desabou. Não há nada em comum com o que ocorre no Brasil, onde o sistema financeiro da habitação, além de ser limitado às classes média e alta, fora “destruído” pela conjugação de superinflação com correção monetária subestimada e benefícios fiscais: o atual sistema começa a evoluir, com dois segmentos distintos, o de imóveis de menor valor (até R$130 mil), por meio de programas do governo; e um outro, com financiamento dos bancos, bem diferente e muito mais seguro do que nos EUA.

Estima-se que a poupança tenha uma sobra que possa ser aplicada em habitação nos próximos dois anos. E depois disso? Como ficaria?
CUNHA:
A questão do crédito de longo prazo é um grande problema no Brasil para todos os setores. É claro que no caso dos imóveis, a poupança é um funding fundamental, mas com o crescimento do mercado, dada a enorme carência que temos no país, o governo vai ter que encontrar novas formas, assim como já está buscando, para aumentar o crédito privado para financiamento de projetos além do BNDES.

Podemos dizer que o mercado imobiliário brasileiro está, finalmente, começando a se consolidar?
CUNHA:
Depois de muitos anos sem existir, ele está começando a se consolidar, sim. E alguns preços de imóveis, assim como os preços de outros ativos, refletem, em parte, a boa situação econômica em que o Brasil está hoje.

Quais as semelhanças e diferenças entre os modelos de crédito brasileiro e o americano, antes da crise?
VALPASSOS:
Não há semelhança. O principal fator de desequilíbrio do sistema americano foi o excesso da oferta de crédito junto a uma assimetria de informações entre a origem do financiamento e o emprestador de última instância que, sem conhecimento do tamanho do risco que estava tomando, acabava por emprestar cada vez mais, com taxas cada vez menores e análises menos cuidadosas das condições de pagamento dos compradores. Este sistema só funcionava com os preços dos imóveis em alta. Esses fatores não são observados por aqui.

Considerado o imenso déficit habitacional brasileiro, existe alguma forma de zerá-lo?
VALPASSOS:
Quando se fala em déficit habitacional no país, o papel do financiamento é relativamente pequeno. Uma família que ganha um ou dois salários mínimos não é capaz de arcar com prestações mensais na ordem de 30% da renda mensal. Neste caso, em virtude da baixa renda das famílias que compõem quase a totalidade do déficit, a palavra-chave passa a ser subsídio. É possível zerá-lo ao longo dos anos, mas será necessário um montante de capital bastante expressivo e muito superior aos empenhados no momento.

O Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) engatou, afinal?
VALPASSOS: Ainda engatinhando. As operações de securitização no segmento residencial se limitam quase que exclusivamente a operações interbancárias de adequação das obrigatoriedades da poupança. Fora isso, há algumas operações de desconto de recebíveis direto de grandes incorporadoras em um mercado que carece de padronização e liquidez. Mas, sem dúvida, estamos bem mais próximos de alavancar o sistema do que estávamos no passado. Os juros reais de longo prazo no Brasil há cinco anos estavam acima de 9% ao ano. Hoje, estão abaixo de 6%. O país amadureceu e acho totalmente possível que nos próximos anos tenhamos um aumento expressivo nos volumes das operações de securitização de financiamentos habitacionais. Na verdade, não temos como fugir disso.

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