Avenida já serviu para passagem de vaqueiros

É difícil imaginar, mas a Avenida Brasil já serviu de passagem para vaqueiros de fazendas da região da Lapa, Alto de Pinheiros e Vila Leopoldina, que levavam o gado rumo ao matadouro, no Ibirapuera – era uma continuação da Estrada da Boiada. Isso em meados de 1890 até o início do século 20. Mais tarde, a avenida foi modernizada e incluída no primeiro loteamento residencial planejado de São Paulo, o Jardim América.
Criado pela Cia. City, o loteamento seguia os mesmos moldes dos bairros nobres europeus, os chamados bairros-jardins. Com terrenos imensos, vias tranqüilas e tortuosas – desenhadas estrategicamente para dificultar o acesso de carros – e muito verde, os lotes eram destinados àqueles que queriam um estilo de vida do campo na cidade. Foi o primeiro bairro a ter gás encanado, já na década de 1950. Em 1960, veio o asfalto.
“Em torno de 1910, houve uma enchente que provocou uma infestação de tifo e muitas famílias foram para partes mais altas da cidade. Empreendedores imobiliários, percebendo o movimento, passaram a investir nessas regiões, como Higienópolis, que significa cidade da higiene, e começaram a abrir caminhos na direção da Avenida Paulista”, diz o diretor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp), Luiz Paulo Pompéia, que morou na Avenida Brasil na década de 1950. “A alta burguesia paulistana se instalou por ali. Logo depois, foi feito o Jardim Europa”, acrescenta Pompéia. “Ela já era uma avenida larga, mas exclusivamente residencial naquela época.”
História
Apesar do indiscutível valor histórico para a cidade de São Paulo, nenhum casarão da Avenida Brasil é tombado. O órgãos de defesa do patrimônio histórico do Estado e do Município tombaram, respectivamente em 1986 e 1991, o Jardim América, formado pelo quadrilátero das Ruas Canadá, Groenlândia, Guadalupe e Estados Unidos, e do qual a Avenida Brasil é parte. Isso significa que o desenho das vias do bairro não pode ser alterado nem árvores podem ser cortadas, mas se alguém quiser derrubar um casarão secular, pode. Desde que deixe o terreno vazio ou construa em seu lugar um imóvel nos mesmos padrões de tamanho e recuo.
“Aquela avenida tem muita história. Gostaria de vê-la conservada como nos tempos antigos””, diz a neta de italianos Lillia Beneduce Bocciarelli, de 74 anos, que morou em um casarão da Avenida Brasil entre os anos de 1940 e 1950. À revelia do tempo, sua antiga casa continua bem conservada, uma exigência que a proprietária procura fazer aos locatários. Atualmente, é ocupada pela dermatologista Ligia Kogos.
A casa deixou de ser residência há 25 anos, com a morte da mãe de Lillia.
“Ela queria morrer nesta casa”, diz. A mansão ao lado, onde moravam os tios e primos, é ocupada por um escritório de advocacia, que também mantém o casarão bem conservado.
Exceto pelos dois imóveis, tão bonitos como naqueles tempos, é difícil imaginar as cenas que Lillia guarda da Avenida Brasil que conheceu. “Lembro de uma Avenida Brasil tranqüila, com poucos carros e crianças brincando nas calçadas. O trânsito todo era no centro, que chamávamos de ´cidade´ e ficava longe””, diz. “”O Ibirapuera era só mato.”
Bicicleta
Ela dá uma idéia de como era a região ao contar que ia para a escola, o Dante Alighieri, na Alameda Jaú, de bicicleta, pela Avenida 9 de Julho. “”A ida era penosa. Mas a volta, uma farra.
Deixávamos as bicicletas descerem a ladeira da 9 de Julho sem brecar.” Um perigo? Ela garante que não. “Não havia ônibus, apenas poucos carros e a linha de bonde era na Rua Veneza”, diz. “São Paulo era mais tranqüila e sem violência. Naquele tempo, o divertimento da gente era na rua.” Em plena Avenida Brasil.