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O padrão que une todo um território

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Léa Cristina Zap o especialista em imóveisOs casarões históricos de Évora, são brancos de molduras amarelas

Diz a lenda que se trata de proteção contra os maus espíritos. Diz a ciência que a proteção é contra o calor e os insetos. Pouco importa. O que se vê em todo o Alentejo, a maior região de Portugal, é que as construções são quase todas brancas — ou melhor, caiadas — e têm as molduras de suas janelas e portas pintadas de amarelo ou azul.

Na histórica Évora, principal cidade alentejana, fica fácil observar como uma mesma característica arquitetônica pode unir todo um território. As paredes branquinhas com as tais molduras coloridas são encontradas dentro e fora das muralhas romanas que cercam a antiga cidadela. Tanto nos antigos casarões do centro quanto nos blocos de apartamentos populares de sua periferia. O mesmo padrão é usado hoje nos prédios que diferentes civilizações legaram àquelas terras.

Paulo Machado, gerente de promoção do Instituto das Empresas para os Mercados Externos (Icep) de Portugal, é um dos que dizem que a arquitetura do Alentejo — fortemente influenciada pelos árabes, que dominaram Évora por cinco séculos — não pode ser explicada apenas tecnicamente. Se de um lado, é fato que a cal repele o calor e elimina os germes comuns a regiões muito quentes; do outro, resiste em toda a região a crença de que esse padrão serve de proteção contra o mal:

— A tradição manda que as casas sejam pintadas de branco e que tenham portas e janelas amarelas ou azuis, berrantes, para evitar a entrada dos maus espíritos.

E, segundo a lenda, tem mais: as casas devem receber uma nova camada de cal a cada ano, necessariamente das mãos das mulheres. Afinal, sustenta a fé popular, é delas não só a tarefa de limpar como a de proteger o lar e toda a família.

— Hoje já não é tão comum só as mulheres fazerem essa tarefa. Mas, se em maio, em junho, andarmos pelo Alentejo, veremos muitas delas caiando suas casas: nessa época do ano, os dias são maiores, o que faz com que os homens se dediquem mais à agricultura — observa Machado.

O diretor-executivo do Turismo do Alentejo, António Lacerda, ressalta que, o uso da cal tem justificativas não só sanitárias, como econômicas. O material, que serve para combater o clima excessivamente quente que toma conta da região na maior parte do ano, existe em grande volume naquelas terras.

— A aplicação repetida da cal, normalmente uma vez por ano, faz as paredes, por dentro e por fora, ganharem textura própria, por causa da capa de revestimento que vai engrossando com o passar do tempo — diz Lacerda, explicando ainda os tons de amarelo e azul usados nas molduras. — A cor forte, que hoje prevalece por razões de ordem estética, tem na sua origem uma dimensão prática: é barreira visual para insetos e rastejantes.

Paredes grossas para as casas não esquentarem

Mas, ressalta o diretor do Turismo do Alentejo, o clima quente é responsável por outras características das construções locais — como as paredes grossas, com portas e janelas pequenas, que isolam o calor em regiões de clima seco. Pois, informa o arquiteto Carlos Fernando Andrade, conselheiro nacional do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), esse tipo de construção retarda o aquecimento das áreas internas — diferentemente do que acontece no Brasil, que é úmido e precisa de ventilação:

— Se as janelas e portas fossem grandes, entraria muito sol, cortando o efeito térmico da parede grossa — avalia Andrade, referindo-se à arquitetura alentejana e acrescentando que, no Brasil, entretanto, está tudo errado. — Aqui, as paredes deveriam ser leves, e os vãos, enormes. Deveríamos morar numa espécie de cobertura alta, para que o ar quente, que sobe, fosse retirado pelos ventos.

Quer dizer, o contrário da grande maioria das nossas construções.

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