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“Foi preciso repensar o condomínio”

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Jonne Roriz/AEZap o especialista em imóveisMarchi – “A mudança se deu de uns dez anos para cá. Começou pelos imóveis de alto padrão, que é quem puxa a tendência do mercado”

Wilson Marchi – Diretor do EGC Arquitetura

Para quem está no comando de um escritório que já projetou 1.920 edifícios, tem 400 empreendimentos projetados e 49 em construção, o arquiteto Wilson Marchi, 39 anos, surpreende pela relativa juventude e pela calma, a didática serena ao expor suas idéias sobre morar bem na atualidade. Durante quase uma hora de entrevista ao Estado de S. Paulo, não foi interrompido nenhuma vez. O telefone não tocou. A secretária só entrou para servir a água e o café que ele solicitou. O assistente só entrou para trazer a planta que ele queria mostrar, para ilustrar a informação sobre novas instalações e equipamentos que o apartamento de hoje exige.

Surpreende também o tamanho do escritório, que divide com mais duas empresas o 18º andar de um prédio da avenida Faria Lima. É pouco espaço para quem nos últimos 18 anos já entregou já 53 mil unidades habitacionais, entre moradias de interesse social, hotéis, lofts e apartamentos de alto padrão. “De fato, precisamos mudar para um lugar maior, ficamos muito apertados aqui”, reconhece Marchi. Ele assumiu a gestão do EGC Arquitetura em outubro de 2004, com a morte da fundadora, a arquiteta Elizabeth Goldfarb. Formado na mesma escola que ela – a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo -, procura manter o estilo, o ritmo, o padrão que vem dando certo no escritório há quase duas décadas.

As tendências do mercado imobiliário, as preferências dos compradores de imóveis, a comparação entre o amplo apartamento do passado e o planejado apartamento de hoje – esses são alguns dos temas abordados por Marchi nesta entrevista.

O que significa morar bem, atualmente?

O conceito de morar bem está hoje vinculado a um aspecto muito amplo, muito abrangente. Antigamente, morar bem significava apenas o próprio espaço habitado, a casa da pessoa. Hoje, tem a ver também com a localização, em conseqüência da complexidade da vida na cidade, que exige facilidade de locomoção. Nos últimos anos, tem a ver com segurança. É um conceito que extrapolou a casa, em si, e passou a abranger as relações sociais que se desenvolvem dentro do condomínio. Além do apartamento legal, como se diz, é preciso uma boa estrutura de lazer, com locais para a prática de esportes, uma estrutura de serviços.

Já não basta a moradia, apenas.

Não basta. É preciso atender às várias atividades humanas. Antes, para as práticas esportivas, a pessoa ia ao clube. Para lazer, ia ao cinema, ao teatro. Agora, cada vez mais essas atividades vêm para dentro dos condomínios. A cozinha-gourmet, por exemplo, é uma exigência nova. Não basta a churrasqueira. Exige-se o espaço onde a pessoa reúne os amigos para um jantar preparado em ambiente de confraternização. Há também o terraço-gourmet, que fica no apartamento, integrado com a sala de jantar, a sala de estar, a cozinha. Preenche o sonho de ter um quintal, só que dentro do apartamento.

Há uso efetivo das cozinhas-gourmet e terraços-gourmet?

Sim, e quem mais usa são os homens, segundo nossas pesquisas. Mais que as mulheres, eles gostam de reunir os amigos para o churrasco. Ou é aquele que aprecia vinho, charuto, promove encontros com outros apreciadores e aí preparam uma comida em grupo.

Trata-se de uma mudança de mentalidade?

Sim, porque a cidade se tornou mais complexa, com crescentes problemas de locomoção, de segurança. É natural, portanto, que as pessoas se voltem para dentro do condomínio. Foi preciso repensar o condomínio, em função dessas mudanças. Antigamente, se construía um edifício com os apartamentos e um térreo básico, com um salão e festas que em geral nem era decorado.

Não se faz mais salão de festas?

Não aquele salão de festas acanhado de antigamente. Faz-se hoje um salão de festas grande, com a cozinha-gourmet, o fitness center, o salão de jogos infantis, o salão de jogos juvenis, o clube de lan house com jogos eletrônicos, o home theater para reunir os amigos no dia de um jogo, para ver um filme. O programa do térreo dos edifícios foi totalmente incrementado. Todos esses espaços são entregues decorados por profissionais da área de arquitetura de interiores.

Há quanto tempo se deu essa mudança? Mais de vinte anos?

Menos de vinte anos. Acho que essa mudança se deu de uns dez anos para cá. Começou pelos imóveis de alto padrão. De um modo geral, quem puxa as tendências do mercado são os imóveis de alto padrão.

Esses apartamentos são muito diferentes um do outro?

São pouco diferentes um do outro. Nas torres de dois apartamentos por andar, por exemplo, a configuração deles acaba sendo bem parecida. Dá para variar, mas não muito. Entre dois apartamentos de 150 metros quadrados, há pouca diferença de um para outro. Dá para trabalhar a fachada, valorizar esse ou aquele detalhe, mudar a planta, mas se o espaço é o mesmo, o resultado final é semelhante.

A valorização das áreas externas do apartamento, como o terraço-gourmet, diminui o espaço e a importância da sala de visitas?

Não. Essa nova configuração não decretou a decadência da sala de visitas. Ao contrario, até. Antigamente prevalecia aquela solução da sala em L, com a interligação da sala de jantar com a sala de estar. Hoje em dia, as salas são em formato retangular, com a base mais larga do retângulo voltada para o terraço. É a chamada sala de boca larga. A sala de estar passou a ser mais valorizada, pela ligação que tem com o terraço.

Isso vale só para os apartamentos de alto padrão?

Não. Começou no alto padrão e foi estendido aos apartamentos de classe média e populares. Recentemente, projetamos um apartamento de 55 metros quadrados, em Guarulhos, com um pequeno espaço para uma churrasqueira em integração com a pequena sala de estar de boca larga. Essa configuração acabou se transformando em objeto de desejo para todos os públicos.

Essa tendência veio de fora ou nasceu no Brasil mesmo?

Nasceu aqui mesmo. Quem criou foram os arquitetos, o pessoal de marketing, os profissionais das incorporadoras.

O cliente participou do processo?

Sim, houve uma fusão de idéias que incluiu, com certeza, o interessado em comprar imóveis. Os arquitetos têm, o tempo todo, a necessidade de criar projetos diferentes. Por sua vez, os incorporadores e o pessoal de marketing são muito ligados em tendências, fazem pesquisa de mercado, procuram detectar os desejos dos clientes, qual é a demanda. Presta-se atenção até nas tendências da moda, dos automóveis, das embalagens. Faz-se uma leitura geral do que acontece no mundo, na busca de entender o que pode ser absorvido e colocado num projeto.

Nas duas últimas décadas, cresce o contingente de pessoas que vivem sozinhas, tanto mulheres como homens. O mercado imobiliário captou essa tendência?

Sim, sem dúvida. O mercado percebeu essa tendência. Juntamente com os jovens recém-casados, começaram a surgir os descasados, os solteiros e solteiras que não moram com os pais, e o mercado se preocupou em criar produtos para essa faixa nova. Numa época, trabalhou-se muito com apartamentos duplex, que a gente chamava de loft. Eram destinados a esse tipo de público, que inclui também a comunidade gay. Surgiram esses imóveis para atender a esse tipo de consumidor.

Já há imóveis também para os idosos?

Ainda não. Já se percebeu que há uma necessidade, envolvendo os idosos, mas ainda não se começou a construir para eles. É possível que logo comecem a surgir prédios com apartamentos para esse público, com piso não derrapante, barras de apoio nos banheiros, portas mais largas. Há necessidade de todo um ajuste, nas construções que dão prioridade para esse público. Nosso escritório ainda não projetou nenhum edifício com essas características, nem temos notícia de alguém que tenha projetado. Mas vem crescendo a conversa a esse respeito, já se sabe que existe um bom público, é possível que logo se detecte uma demanda que justifique um empreendimento assim.

E a segurança, como é pensada?

Há todo um esquema voltado para isso. Existem empresas especializadas em dar orientação de segurança nos projetos de condomínio. As questões de acesso são estudadas. As câmeras entraram para a realidade da vida atual. Ninguém rejeita. Pelo contrario, as pessoas querem essa segurança.

O mercado imobiliário costuma correr riscos?

Não, de um modo geral o mercado imobiliário tem o cuidado de reduzir os riscos ao mínimo. É um mercado baseado na previsão de resultados. Antes de investir, faz-se muito estudo de viabilidade. Dificilmente se toma prejuízo, nesse mercado. As plantas são muito bem pesquisadas, para cada público. Vê-se com todo cuidado que tipo de apartamento vai bem em cada local. Tudo isso é muito estudado, discutido.

A forma de financiamento também?

A forma de financiamento também é muito estudada, para evitar problemas. Os projetos com financiamento da Caixa Econômica Federal, por exemplo, têm manual técnico que precisa ser respeitado em todos os pontos. Nos financiamentos destinados a obra rápida, a gente recebe insumos para construir em alvenaria estrutural. Há todo esse tipo de interferência.

O material de construção tem mudado? O que se usou três ou quatro décadas atrás é muito diferente do que se usa hoje?

Não é muito diferente. Mudou pouco. Houve mudanças significativas nas tecnologias dos sistemas prediais. Na hidráulica, na parte elétrica, nos sistemas de aquecimento e de esfriamento. Nesses campos houve uma boa evolução. Mas do ponto de vista da engenharia civil, mudou bem menos. Uma novidade foi a entrada do dry wall, a parede de gesso. Você faz o perfil metálico e vem com placas de 2 metros por 1,5 metro, aparafusa, e na hora a parede está pronta, do jeito que o cliente quer.

O concreto protendido não foi uma novidade?

Há algumas décadas sim, mas no segmento de projetos empresariais. No residencial, não. O concreto protendido funciona bem nos projetos que exigem grandes lajes, com o mínimo de colunas, para a empresa se instalar ali de acordo com suas conveniências. Na área residencial não há necessidade disso. Basta a estrutura de aço e concreto armado, uma solução mais convencional. Outra solução empresarial, de pouco uso no segmento residencial, são as fachadas prontas, o sistema de concreto pré-moldado para fechamento externo. Vem tudo pronto, é só aparafusar na estrutura, como é o Edifício São Paulo, na avenida Faria Lima. É uma tecnologia avançada que funciona muito área empresarial e pouco na residencial.

Por uma questão de preço?

Não é preço. São as necessidades distintas. Num prédio de apartamentos existem necessariamente muitas paredes. Dá-se então um arranjo com pilares, com vigas, e fica mais econômico, mais apropriado.

Com todas essas mudanças, as pessoas de hoje moram melhor que as do passado?

Acho que sim. Apesar de os espaços serem mais reduzidos. As áreas ficaram menores. Um apartamento de três dormitórios, de vinte anos atrás, é maior do que o de três dormitórios da atualidade. Mas o de hoje é planejado para a pessoa viver melhor.

Se o apartamento de antes era mais espaçoso, com pé direito mais alto, por que a vida neles não era melhor?

Veja, por exemplo, aqueles excelentes apartamentos de Higienópolis, uma localização que manteve a qualidade, aliás. Pensando no apartamento em si, era melhor. Mas analisando o conjunto, toda a estrutura que os prédios de hoje oferecem, a vida agora é melhor. A configuração de hoje tem a preocupação de facilitar a convivência. Hoje, quando se cria um projeto, leva-se em conta o conceito de morar bem de maneira ampla. A gente não pode obrigar as pessoas a conviverem. Isso não. Mas procuramos dar as condições para que vivam com mais qualidade.

Frases

“A cozinha-gourmet é uma exigência nova. E quem mais usa são os homens.”

“Começaram a surgir os descasados, os solteiros que não moram com os pais, e o mercado cria produtos para essa faixa.”

“As câmeras fazem parte da vida atual. Ninguém as rejeita. Pelo contrário, as pessoas querem essa
segurança.”

“Um apartamento de três dormitórios, de 20 anos atrás, é maior do que o de três dormitórios de hoje. Mas no de hoje a pessoa vive melhor.”

“A gente não pode obrigar as pessoas a conviverem. Mas procuramos dar as condições para que vivam com mais qualidade.”

 

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